Inutilidade


O mundo que nos abriga.

Terra viva. A semente gera, raíz fortalece. Nós? A cortamos.
Ar direciona, liberta. Nós? Nos perdemos em nossa própria direção.
Fogo que arde, de paixão, oxida sem luto. Nós? Odiamos.
Hipocrisia que nos consola. Reciprocidade inexistente, utilidade inútil.
A guerra decretamos. Guerrilha de irmãos, de sangue, contra as nossas próprias cabeças.

O mundo que nós matamos.
Nós.
Nos matamos.



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A dança de ser criança

Diga um verso bem bonito...

— Mamãe, eu desisto.

— Mas, filha... — um longo e insípido sorriso brotava em seu rosto em tom de deboche.

— Eu desisto — tornou a afirmar, desta vez com mais rispidez.

— De onde você tirou isso?

— Eu me cansei de ouvir as mesmas coisas, as mesmas histórias e os mesmos adultos. Cansei disso tudo, de ficar aqui.

— Se cansou de mim também?

— Ah, mamãe, não é isso que quero dizer. Mas estou farta. — Enquanto disse isso, olhou algumas vezes para os olhos de sua mãe para ver se encontrava algum resquício de aprovação. — Vocês nunca percebem quando eu estou falando e o quê eu estou falando, me lançando sempre aquele olhar de censura.

— Luisa, você só tem dez anos!

— Eu sei Mamãe, eu sei. A Mamãe insiste em me dizer isso algumas vezes por dia. Mas eu não sou mais tão pequena quanto era. Eu já entendo as coisas. A Mamãe e o Papai me trancam nessa casa. Eu olho pela janela e vejo lá fora as crianças brincando, brincando de ser crianças. Elas saindo de suas casinhas pobres com seus materiais e indo à escola brincar de ser inteligentes. E eu continuo aqui, dia após dia, brincando de ser feliz para todos que entram na nossa casa. Mamãe, eu quero brincar do que as outras crianças brincam!

— Você não percebe o quanto o mundo lá fora é perigoso?

— Não posso ver perigo num lugar que nem sequer vejo direito.

— Um dia você vai dar valor a mim e ao seu pai por terem te protegido.

— Já que não posso ir até lá, os deixa virem até aqui?

— Eles quem?

— As crianças das casinhas pobres.

— De jeito maneira. Elas não são iguais a você, filha. Elas não gostam de você, não gostam da sua casa, da sua família. Elas são pobres.

— Mas...

— Não tem mais nem menos. E ah, amanhã é terça-feira. Trate de dormir logo, pois a professora Maria chega logo quando o sol nasce. Boa noite e não fique pensando bobagens.

— Boa noite.

Feito isso, a mãe de Luisa apagou a luz e fechou a porta do quarto, deixando a menina Luisa mais uma vez se entregar ao sono que a saudava a palmas.

Cenas como essa se repetiam todas as noites, mas Luisa não perdera a esperança.

... diga ‘adeus’ e vá-se embora.

Certa vez, seu sono resolveu mostrar que poderia ter cor e forma.

— Quem é você? — disse um garoto vestido com roupas rasgadas.

— Eu me chamo Luisa e você?

— Eu me chamo Mário. Quer brincar conosco?

— Mas, vocês deixariam?

— É claro, por que não?

— Ah, não sei.

— Vamos, junte-se à roda!

“Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar. Vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar. O anel que tu me deste era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinha era pouco e se acabou. Por isso menina Luisa faz favor de entrar na roda, diga um verso bem bonito, diga adeus e vá-se embora!”

A menina olhou uma vez para a esquerda, para a direita, e disse:

— Eu não sei dizer versos e mal sei dançar ciranda.

Foi então que Luisa se deu conta que queria brincar mas não sabia.

Depois de aprender a ciranda e brincar até se cansar, Luisa sentou-se com seus novos amigos, cerca de cinco ou seis. Estavam todos vestidos de branco, apenas ela de preto.

— Você é a menina da casa grande? — perguntou uma menininha de cabelos cacheados.

— Eu sou sim.

— Nossa, seus pais devem ter muito dinheiro!

— Têm sim. Eles podem comprar tudo que quiserem.

Eles podem comprar tudo que quiserem.

Eles podem comprar tudo o que eu quiser.

“Eles podem comprar tudo que quiserem.”

Era esse o pensamento que Luisa vinha alimentando desde o dia em que sonhara brincar de ser criança.

— Mamãe, me compra amigos?

— Está louca, filha?

— Não estou não.

— Está sim.

— Oras, vocês podem comprar o que quiser, têm dinheiro.

— Não amigos.

— Por quê?

— Amigos não se compram, filha.

— Como é então?

— Amigos se fazem.

— Então me deixa fazer amigos?

A resposta a essa pergunta ninguém nunca saberá exatamente qual foi, tampouco o final do sonho e a decisão que a menina tomara.

Sobre Luisa só se ouve falar ser uma garotinha de cabelos cacheados, com um vestidinho branco rasgado e que aparece nos sonhos das crianças que vivem em casas grandes para ensiná-las a dançar ciranda e a recitar um verso bem bonito:

Preciso conhecer a dança

O versinho e a criança

Pra feliz eu me tornar.


Thomaz Campacci

Erro fatal


Já o experimentei. Não sinto mais que gritar possa me proteger.Essa nostalgia que me confunde. Uma dose e as artérias adoecem, difícil suportar.
Estou sufocado, atado no escuro com amigos fantasmas. Melancolia incessante com apenas uma dose, uma gota, um olhar. Já o experimentei e cai - o seu veneno.


 

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