Diga um verso bem bonito...
— Mamãe, eu desisto.
— Mas, filha... — um longo e insípido sorriso brotava em seu rosto em tom de deboche.
— Eu desisto — tornou a afirmar, desta vez com mais rispidez.
— De onde você tirou isso?
— Eu me cansei de ouvir as mesmas coisas, as mesmas histórias e os mesmos adultos. Cansei disso tudo, de ficar aqui.
— Se cansou de mim também?
— Ah, mamãe, não é isso que quero dizer. Mas estou farta. — Enquanto disse isso, olhou algumas vezes para os olhos de sua mãe para ver se encontrava algum resquício de aprovação. — Vocês nunca percebem quando eu estou falando e o quê eu estou falando, me lançando sempre aquele olhar de censura.
— Luisa, você só tem dez anos!
— Eu sei Mamãe, eu sei. A Mamãe insiste em me dizer isso algumas vezes por dia. Mas eu não sou mais tão pequena quanto era. Eu já entendo as coisas. A Mamãe e o Papai me trancam nessa casa. Eu olho pela janela e vejo lá fora as crianças brincando, brincando de ser crianças. Elas saindo de suas casinhas pobres com seus materiais e indo à escola brincar de ser inteligentes. E eu continuo aqui, dia após dia, brincando de ser feliz para todos que entram na nossa casa. Mamãe, eu quero brincar do que as outras crianças brincam!
— Você não percebe o quanto o mundo lá fora é perigoso?
— Não posso ver perigo num lugar que nem sequer vejo direito.
— Um dia você vai dar valor a mim e ao seu pai por terem te protegido.
— Já que não posso ir até lá, os deixa virem até aqui?
— Eles quem?
— As crianças das casinhas pobres.
— De jeito maneira. Elas não são iguais a você, filha. Elas não gostam de você, não gostam da sua casa, da sua família. Elas são pobres.
— Mas...
— Não tem mais nem menos. E ah, amanhã é terça-feira. Trate de dormir logo, pois a professora Maria chega logo quando o sol nasce. Boa noite e não fique pensando bobagens.
— Boa noite.
Feito isso, a mãe de Luisa apagou a luz e fechou a porta do quarto, deixando a menina Luisa mais uma vez se entregar ao sono que a saudava a palmas.
Cenas como essa se repetiam todas as noites, mas Luisa não perdera a esperança.
... diga ‘adeus’ e vá-se embora.
Certa vez, seu sono resolveu mostrar que poderia ter cor e forma.
— Quem é você? — disse um garoto vestido com roupas rasgadas.
— Eu me chamo Luisa e você?
— Eu me chamo Mário. Quer brincar conosco?
— Mas, vocês deixariam?
— É claro, por que não?
— Ah, não sei.
— Vamos, junte-se à roda!
“Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar. Vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar. O anel que tu me deste era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinha era pouco e se acabou. Por isso menina Luisa faz favor de entrar na roda, diga um verso bem bonito, diga adeus e vá-se embora!”
A menina olhou uma vez para a esquerda, para a direita, e disse:
— Eu não sei dizer versos e mal sei dançar ciranda.
Foi então que Luisa se deu conta que queria brincar mas não sabia.
Depois de aprender a ciranda e brincar até se cansar, Luisa sentou-se com seus novos amigos, cerca de cinco ou seis. Estavam todos vestidos de branco, apenas ela de preto.
— Você é a menina da casa grande? — perguntou uma menininha de cabelos cacheados.
— Eu sou sim.
— Nossa, seus pais devem ter muito dinheiro!
— Têm sim. Eles podem comprar tudo que quiserem.
“Eles podem comprar tudo que quiserem.
Eles podem comprar tudo o que eu quiser.
“Eles podem comprar tudo que quiserem.”
Era esse o pensamento que Luisa vinha alimentando desde o dia em que sonhara brincar de ser criança.
— Mamãe, me compra amigos?
— Está louca, filha?
— Não estou não.
— Está sim.
— Oras, vocês podem comprar o que quiser, têm dinheiro.
— Não amigos.
— Por quê?
— Amigos não se compram, filha.
— Como é então?
— Amigos se fazem.
— Então me deixa fazer amigos?
A resposta a essa pergunta ninguém nunca saberá exatamente qual foi, tampouco o final do sonho e a decisão que a menina tomara.
Sobre Luisa só se ouve falar ser uma garotinha de cabelos cacheados, com um vestidinho branco rasgado e que aparece nos sonhos das crianças que vivem em casas grandes para ensiná-las a dançar ciranda e a recitar um verso bem bonito:
Preciso conhecer a dança
O versinho e a criança
Pra feliz eu me tornar.
Thomaz Campacci